Nair
Sempre que me encontro num beco sem saída penso nela. Ela que sempre soube me dar seu carinho e seu colo quando eu mais sofria, mesmo sendo seu fardo maior.
Meu dilema é o de buscar pela intuição elementos que interessam, sem saber me erguer no escuro. O lado feminino da divindade. Mas não consigo, o pai é sempre meu refúgio.
Porém, hoje lembrei dela mais uma vez, e comecei a pensar que seria assim algo parecido com a divindade feminina. Porque não? Minha vó era uma pessoa boníssima e sábia. Os sábios são pessoas neutras, que não gostam de interferir. É minha busca interna, por menos razão e mais sentimento, pelo que há de oculto dentro de mim. Mas estou arrastando o processo demais. Devagar demais. E isso me tortura. Essa loucura que não se definine me faz são demais!
Quero sumir, mas estou sempre feliz! Quero contribuir com o trabalho dos outros, mas ninguém contribui com o meu, e isso não me incomoda. Aliás, não me incomodava. Agora tudo vem à tona, os submarinos, os tubarões, os náufragos, as bolhas, Manhattan.
Cada dia mais vou seguindo pro lado que me puxam, cada dia mais entregue, inerte, inútil. E essa vontade de explodir que não passa... To ficando chato mesmo, pode dizer. Tô nem ai. "Pô, toda hora com esse papo de explodir!". Quer que eu fale o que, se é isso que quero? Acho que vou entrar pro Hamas, pra Al Qaeda, sei lá... Não, não... Melhor explodir sozinho, sem levar outras vidas comigo. Melhor implodir! boa! Lógico! Já estou implodindo, aliás. Não dá pra saber o que acontecerá após. Sabe-se apenas que a vida há de cessar, o estomago não mais vai roncar, as lontras não mais voarão. Elas cairão para o fundo do fundo do oceano, o pélago mais profundo do mundo... perdão pelas rimas, senhor! Senhora... Ô, vó! Dá um jeito em mim... Não tem rima quando não tem ação, não tem palavra. Não tem som. O fim é sempre o começo, como me disse a rainha num sonho. E o que é o começo? O fim?
Foda-se o fim e o começo, foda-se o mundo, foda-se quem gosta de atores-gado que seguem sempre a mesma linha, e essas porras de prédios-teatro feitas por políticos de merda que não querem saber de nada além de ter um palanque pra poder falar entre um espetáculo e outro.
O jurado do festival criticou nossa experimentação, e ainda me disse: "Daqui há vinte anos vou te ver no palco italiano de novo!" Vamo ver!! Admito que errei muito nas experimentações. Admito que muita coisa não funcionou. Mas outras coisas funcionaram maravilhosamente bem!! A coisa pendeu mais para as críticas do que para os elogios. Foda-se. Eu chuto o balde mesmo, foda-se, foda-se, foda-se (perdão, vó). Nós acertamos no que mais acreditávamos acertar! É o que interessa. Sinal de que tinhamos uma noção razoável do que estávamos fazendo. E ai de quem não experimentar! Não ousar! Ai dos atores-gado que rumam sempre para o mesmo lugar!
Né, vó? Ai, que vontade de deitar minha cabeça no seu colo, dona Nair... Não tenho rumo, estou perdido. Nem Iemanjá, nem Jesus me salvam agora. Preciso retroceder toda a caminhada, repensar as direções. Refazê-las. Pisar no chão de novo para só então soltar esses nós que me cercam. Esses nós que, quanto mais desato, mais se refazem... Paro, respiro, e tento novamente.