O Velho

Caminhando...

quarta-feira, dezembro 31, 2008

O Lótus - Capítulo IX

Iniciados

Haline procurava se concentrar no trabalho que tinha a fazer. Ela veio de uma terra distante, a convite do rei Topa Capac, para estudar a magia de uma pequena tribo misteriosa chamada "Tiró". Fazia parte de uma seita cujos monges viviam em contato direto com a natureza, retirando dali sua magia, seu alimento, sua orientação. Conhecidos como quéltis, eram pacíficos e pregavam a prática do bem e a vivência dentro dos preceitos do amor. Costumavam ser vistos com mantos que cobriam o corpo inteiro.

 

Mas um destino incomum estava reservado para ela. Quando mais nova, uma sequência de sonhos estranhos passou a atormentá-la. Em todos eles, Haline se via misturando dois líquidos escuros e mau cheirosos, enquanto o céu escurecia gradualmente.

 

Sempre recorria à mestra suprema de sua religião, a venerável senhora Selma, para buscar esclarecimento. Após certo tempo, a mestra começou a se preocupar e aconselhou a discípula a manter segredo. Ela deveria consultá-la dessa forma, discretamente, num regaço mais isolado da floresta, onde apenas as entidades mágicas pudessem ouvi-las.

 

Assim se passou, até que a natureza completasse um ciclo. Selma sabia que tinha de tomar uma decisão. Chamou por Haline e disse que faria uma peregrinação, em busca de orientação, pois intuia grande importância nesses sonhos. Além disso, havia reparado num interesse maior das plantas sempre que elas tocavam no assunto.

 

Partiu logo em seguida, levando apenas seu manto e suas indagações. Não contou à discípula, mas lhe era claro que a união dos líquidos estava relacionada com a união dos opostos, entre masculino e feminino. Estaria sua pupila destinada à alguma missão de união? Apesar de algumas mensagens claras, deveria eliminar as sombras da dúvida que ainda permeava sua mente.

 

Com o passar dos dias, Haline se sentia cada vez mais só. Era muito bela, olhos azuis e pele clara, límpida, que chegava a cegar quando retirava o capuz e mostrava seu rosto ao sol. Havia perdido os pais ainda cedo, na invasão de um exército dominador. Foi entregue à Selma para se tormar uma monja, até ter idade suficiente para se casar. Vivia em contato constante com a natureza e a grande mãe. Poucos notavam sua beleza, pois seu sacerdócio era exclusivo para mulheres, e seu manto a protegia dos assédios da luxúria. Mesmo assim, alguns homens, notadamente os bravos guerreiros quéltis, já haviam lhe cortejado. Voltavam decepcionados, recebendo sempre respostas negativas. Só lhe restava agora a grande mãe. Ela deveria ser sua guia, pois os sonhos não a deixavam e a ansiedade era crescente.

 

______________

 

Mais uma vez sua mente lhe pregou uma peça. Não poderia se distrair tanto assim.

 

- Concentre-se, Haline. - dizia para si mesma -  Concentre-se!

 

Começava a se arrepender de ter vindo. De ter aceitado o convite do Rei. Mas, já que veio, tratou de continuar o trabalho. Sua virtude era a perseverança. Nunca desistia do que tinha começado. O rei havia lhe pedido para estudar a natureza mágica das plantas, seja através da interação, ou da fermentação e do cozimento. O tempo urgia. Um grande mal estaria chegando, todos os videntes assim diziam. Seus próprios sonhos lhe falavam da escuridão do céu.

 

Topa lhe concedeu um laboratório exclusivo, notadamente equipado. Dia após dia, se entregava ao trabalho, sozinha. Não aceitava assistentes. Até porque esse serviço, no reino, só era realizado por homens, e ela não confiava neles. Dia após dia retirava-se, ao fim do trabalho, para seus aposentos sem nada de conclusivo. Parecia que as plantas daquele lugar se recusavam a falar com ela.

 

- Amanhã vai dar certo. Amanhã vou entender alguma coisa da magia desse lugar - disse, antes de adormecer.

 

O sol resurge. Haline desperta de seu sono. Escuro. Por um momento, não se lembra de onde está. Cadê o canto dos pássaros? Onde está a brisa da floresta? Aquele calor terrível a incomodava. Sentia-se como um peixe fora do rio. Sentou-se em seu leito, naquele lugar abafado. Procurou se acalmar e orou à grande mãe. Seu coração, desacelerando, permitiu que sua mente se reorganizasse.

 

- Sim, claro! - Pensou - O palácio do rei Topa. Ah... Que falta me faz as colinas!

 

A saudade de seu lar, apesar de tudo, não impedia que reunisse forças para se levantar e tentar mais uma vez, mais um dia. Após se arrumar, seguiu rumo ao laboratório. Nos corredores, haviam rumores de um estranho, capturado. Como o defeito de Haline era a curiosidade, não resistiu e, sutilmente, procurou ver como era esse prisioneiro. Viu de longe, mas não o achou perigoso. Parecia tranquilo e resignado. Caminhava sóbrio, escoltado pelos guardas, até sua cela.

 

Findo o espetáculo, Haline volta a seu laboratório, decepcionada. Não havia acontecido nada demais. Naquele dia, a desconcentração era enorme. Não sabia mais o que fazer. Antes de escurecer, decidiu pedir uma audiência com o rei. Topa Capac a atendeu de imediato.

 

- Alguma novidade, Haline? - perguntou o rei, à certa distância dela, como acontece com todos que entram na sala do trono.

 

- Meu rei, não consigo falar com as plantas daqui. Preciso me comunicar com alguma sacerdotiza ou mago que já conhece seus segredos.

 

- Impossível no momento. Não desista, minha jovem. Na hora certa falará com o mais sábio de todos os feiticeiros tirós. Não cobro resultado, apenas paciência e trabalho. Se for determinada, na hora certa a verdade é quem buscará pela sua procura, e não o contrário.

 

- Entendo, meu rei. No entanto...

 

Antes que terminasse de falar, batem à porta.

 

- Entre! - brada o rei.

 

A porta se abre. Um soldado entra e anuncia, depois de se curvar.

 

- Meu rei, capturamos mais um. Creio ser um feiticeiro! Aqui está seu jamanxim. Os homens temem abrí-lo, temendo alguma maldição!

 

- Vê, minha criança? Parece que a hora chegou. - diz o rei.

 

E, dirigindo-se ao guarda:

 

- Muito bem! Deixe o jamanxim. Quanto ao filho de Quityambó, peça ao ancião para trazê-lo.

-Sim, senhor! - diz o soldado, antes de se retirar, deixando os pertences do suposto "feiticeiro" num pedestal próximo à porta.

- Já é tarde, Haline. Vá,  descanse. Amanhã, encontrará o feiticeiro.

- Sim, senhor. Senhor, peço sua licença para estudar os pertences do feiticeiro.

 

Com um sinal de mão, Topa consente e ordena sua retirada. Haline declina, apanha o jamanxim e se retira.

 

Um feiticeiro. Ela se entusiasmava cada vez mais em conhecê-lo. Seu coração havia disparado. Sensação que nunca havia experimentado. Como ele seria? Que poderes possuia? Será que compreenderia sua lingua? Seria ele belo?

 

- Belo? Que bobagem! - pensou, enquanto ria de si mesma.

 

Já em seu leito, não consegue dormir. Revira-se de um lado a outro enquanto observa, em alguns relances, os pertences do feiticeiro capturado. Como não poderia deixar de ser, a curiosidade supera seu temor de alguma maldição e a impele a abrí-lo. Nota uma garrafa rústica, feita de couro de um animal estranho e amarrada com fibras de alguma planta. Está claro que há um pouco de líquido dentro. Guarda de volta no jamanxim, veste seu manto e, sem vacilar, dirige-se para seu laboratório.

 

Lá chegando, deixa os pertences na sala vizinha do laboratório enquanto trata de acender os candelabros para iluminar o recinto. Quanto volta para apanhá-lo, ouve um ruído estranho, mas está tão fascinada com sua investigação que ignora.

 

A primeira coisa que faz é retirar e abrir a garrafa. Sente seu cheiro, amargo.

 

- Alguma coisa está estragada aqui. - Pensa.

 

De repente, ouve um grito assustador, numa língua estranha. Vira-se e se supreende com o feiticeiro avançando sobre ela. Solta a garrafa e tenta fugir, mas ele logo a alcança. Eles rolam no chão. Então, sem entender o motivo, ele se afasta dela, assustado, parando próximo de um candelabro maior. Nesse momento, ela pôde ver seu rosto.

 

- É lindo! - pensa, ainda paralizada.

 

Os guardas entram, o feiticeiro foge. Ainda desnorteada, Haline se levanta e percebe que a garrafa não está mais no chão. Um gota do líquido apenas, havia escorrido. Com o dedo indicador ela a apanha e, colocando-se mais próxima da luz, constata assombrada:

 

- Um dos líquidos do meu sonho!

 

 

continua quarta-feira, 11h da manhã (GMT-3:00  Brasília/Brasil)

domingo, dezembro 28, 2008

Ano novo para Naró...

Mais uma vez, peço desculpas por ainda não ter publicado o capítulo nove.

 

Infelizmente não foi possível publicá-lo essa semana. No entanto, a partir de quarta-feira, onze da manhã, tudo volta ao normal!

 

Minha gratidão pela atenção de vocês, amigos!

 

;-)

quarta-feira, dezembro 24, 2008

O Lótus

Gente, desculpe o pequeno atraso. Amanhã, 25 de dezembro, 17h Posto o capítulo nove!

 

É Natal!  Para todas as religiões, credos, mitos, crenças e fés, o nascimento da luz divina!

 

Alegria e paz a todos! Até daqui a pouco!

 

;-)

quarta-feira, dezembro 17, 2008

O Lótus - Capítulo VIII

Forças opostas

 

- O rei deseja vê-lo. - Disse Toró.

 

Para Naró, na língua de sua tribo, rei era algo grandioso demais. Tanto que nem seu maior chefe, o cacique, recebia esse título. Apenas os mais sábios entre alguns espíritos ancestrais eram assim chamados. O discípulo estava confuso.

 

- É um verdadeiro rei. - continua Toró - Vive, presente de corpo, e governa todo esse povo.

 

Toró faz sinal para os guardas soltarem o jovem tiró, que o fazem imediatamente. Naró não confia em Toró. E não tenta ocultar seu sentimento. Seu olhar inquisitivo para o ancião o deixa desconfortável.

 

- Sei que não confia em mim, meu jovem. Mas há de compreender, um dia, que meus atos são para o bem.

 

Naró se surpreende, assim como Ichua antes dele, com a magnitude da sala do trono do rei. E, assim como o filho mais novo de Quityambó, fica encantado com o resplendor de sua coroa azul e rubra. Também é orientado para se curvar a uma grande distância de Topa Capac.

 

- Pode se retirar, Toró.

 

O ancião vacila ante o pedido. O rei nunca havia ficado sozinho com um visitante, sem um conselheiro ou guarda presente. Ante à indecisão de Toró, o rei mantém a calma.

 

- Toró! - diz Topa Capac, a voz ligeiramente mais alta.

 

O ancião se ergue rapidamente. Reverencia o rei, curvando-se levemente, e dirige-se à saída.

 

Naró percebe que algo diferente está ocorrendo. Durante o longo tempo que Toró leva para sair, tenta imaginar a razão.

 

- Gosta de observar as estrelas, jovem Naró?

 

Naró, sempre desconfiado, demora para responder. O rei se mantém paciente.

 

- Seu mestre gostava muito de observar as estrelas.

 

O discípulo ergue a cabeça. Seus olhos perscrutam cada centímetro de Topa.

 

- Era íntimo do mestre? - Questiona Naró.

- Eramos muito amigos. - diz o rei, enquanto se aproxima, vagorosamente, do jovem tiró.

- Onde está meu mestre?

- Seu mestre está a caminho de Airelan agora. Não é esse nome familiar às crenças de sua tribo?

- Sim.

- Pois o é para as nossas crenças também. Somos chamados Quéltis. No entanto, as nossas diferem ligeiramente das suas. Enquanto que, para os tirós, Airelan é o destino dos sábios caídos, como punição, para nós ela é o lar perdido. É de onde todos nós viemos e para onde todos iremos, tanto os bons quanto os maus. É onde seremos julgados pela grande deusa.

- De que forma meu mestre está indo para lá? Navega seu corpo ou sua alma?

- Você é  sábio, meu jovem. Não a toa é o único discípulo de Atisuanã.  Mas não passou por todos os testes ainda. Há certas verdades que devem ser protegidas, mesmo de pessoas confiáveis como você.  Seu mestre está cumprindo as tarefas que ele mesmo se impôs, há muito tempo atrás.

 

Nesse momento, o rei já se encontrava a poucos passos de Naró, que sentia mais intensa sua presença. A luz da coroa o cegava, de tão intesa. Era necessário quase fechar os olhos para manter a atenção.

 

______________

 

Yriambé havia chamado seu discípulo, Atisuanã, para visitá-lo em sua oca oculta na mata. Poucos sabiam encontrá-la, e o futuro pajé dos tirós era um desses poucos. Os métodos de comunicação entre eles eram misteriosos para a maioria. Mas todos respeitavam o poder desses grandes homens, tão afins com a divindade.

 

Chegando na oca, o ainda discípulo não encontrou o mestre, e alguns de seus pertences não estavam no interior. Saiu, procurou vestígios.

 

Atisuanã já havia alcançado a maturidade plena. Era um curandeiro experiente. Seu papel era o de indicar a cura a todos os doentes a partir do reconhecimento de que suas doenças estavam presentes nele mesmo. Tudo isso, sem nunca cobrar a cura do paciente. Tudo tem o seu tempo. Seus principais remédios eram o sorriso, a alegria. Seus outros remédios estavam no coração da mata, enraizados no solo antigo e no tempo sem fim.

 

Resolveu seguir a intuição, os guiar-se pelos sinais  sutis que encontrava. E percebeu no ar um olor suave, doce e novo, que o conduziu para uma clareira onde Yriambé estava sentado, com uma enorme flor no colo.

 

- Devo partir. - disse o mestre.

- Entendo, mestre. Agora entendo claramente.

- Reconhece essa flor?

- Sim. O Lótus da verdade.

- Já contou suas pétalas? - diz, ofertando a flor a seu discípulo.

- Nunca consegui.

- Ela tem o número de estrelas que devem ser contadas no caminho para Airelan. É para lá que devo ir. E você também, mas não agora. Seu dia também chegará, Atisuanã, mas, por enquanto, uma outra tarefa o aguarda. Sua tribo terá um novo cacique em breve, um homem sábio. Um de nós. Deve protegê-lo, auxiliá-lo em sua busca. Deve orientá-lo em seu caminho, pois sua missão é muito importante. E deve escolher um discípulo para continuar seu trabalho. Só assim poderá me seguir.

- Sou muito grato por tudo, mestre. E sentirei muita saudade do senhor.

- O tempo é sempre breve, quando sabemos conduzí-lo, meu filho. Logo, nos reencontraremos!

 

Yriambé se levanta, abraça o discípulo e,  sem mais demora, vira-se e caminha para fora da clareira, para dentro do cobertor de árvores antigas que formam a mata. Atisuanã sorri e quase deixa escapar uma lágrima. Volta pelo caminho que veio, a espera do dia em que sua tarefa finde, para estar novamente na presença amada de seu mestre, em Airelan, para receber seu prêmio, ou sua punição, com a alegria típica daqueles que começam a compreender a verdade.

 

______________

 

- Vejo que ainda não está pronto, discípulo - diz Topa Capac. Mesmo assim, parece ter compreendido sozinho uma verdade secreta. Gostaria de entender como.

- O que imagina que tenho compreendido?

- O mesmo que Quityambó compreendeu.

-  Siriam, narena rudia ka lestrina.

 

O rei escuta aquela frase. Ao menos, ele se lembra dela. Mas, em seu interior, repara que Naró ainda não a compreendeu totalmente.

 

- Não há magia plena nas palavras pronunciadas pela sua boca, jovem. E, onde não há magia, não há compreensão.

- Compreendo vagamente. Mas não direi ao senhor.

- Pois deve voltar à sua cela, até resolver falar o que sabe. É muito grandioso o segredo que carrega. Não posso correr esse risco. Apenas me intriga alguém como você ter compreendido, mesmo que em parte, um ensino tão protegido.

- Rei Topa - diz Naró, eguendo-se e encarando a luz cegante vinda de sua coroa.  Devo voltar à tribo. Atisuanã assim me ordenou, mas não obedeci de imediato. Se o senhor era, realmente, amigo de  meu mestre, liberte-me! Toda a ancestralidade de meu povo está em suas mãos agora.

- Não posso. A ancestralidade pode ser recomeçada. O poder que carrega, discípulo, não poderá ser restaurado se cair em mãos erradas.

 

Um breve silêncio.  O rei fecha os olhos, posta as mãos à frente, palmas voltadas para cima. De repente, sua coroa começa a brilhar ainda mais. O azul torna-se quase branco e o vermelho,  que sai de um ponto central de sua testa, torna-se violeta. Depois de um breve momento, o rei abre os olhos e ordena de maneira autoritária, porém serena:

 

- Volte para sua cela, agora.

 

Os músculos de Naró paralisam nessa hora. Não consegue se mover. Então, seu corpo começa a se virar sozinho, como se estivesse caminhando de volta para a cela. Parece não haver nada que possa fazer. Apenas sua mente ainda está sob seu controle. É quando o discípulo de Atisuanã se lembra da palavra mágica, mais uma vez. Primeiro, a diz mentalmente, de maneira suave, mas não consegue mudar sua situação. Então, a repete seguidamente e percebe que o controle começa a voltar. Pouco a pouco, até o suficiente para fazer o ar ao seu redor vibrar ao som da palavra de poder aprendida.

 

- Cora...  gem!

 

Subtamente para no lugar. O corpo todo passa a tremer, ante ao embate de forças opostas. Com muito esforço, vira-se de volta na direção do rei.

 

- Realmente, há algo de especial em você que não tinha reparado, discípulo de Atisuanã.

 

Topa Capac está sério e, ao invés de aumentar seus esforços para controlar os movimentos de Naró, faz o oposto: Com um simples gesto o liberta daquele cativeiro.

 

- Volte agora, por favor, à sua cela. Volte por sua vontade. Ou terei que chamar os guardas.

 

Naró está duplamente assustado. Primeiro, com o imenso poder daquele homem. Segundo, com a capacidade em pedir gentilmente para que ele volte para sua cela, mesmo tendo tamanha força. Havia algo para ser compreendido. Resolve então recuar, obedecer o rei, voltar a sua cela e meditar. Começava a perceber que a própria natureza o impunha uma situação que ele havia se recusado voluntariamente: A reflexão. Acima de tudo, desejava alcançar o mestre querido. Finalmente, se dispôs a aprender com o que estava ao seu alcance, a cela fria e escura. O interior.

 

Sem dizer mais nada, segue voluntariamente de volta para onde o rei havia lhe ordenado ir.

 

 

 

(continua, toda quarta-feira, as 11h da manhã)

Entrega do Prêmio Dardos

dardos[2]CINTHITA

 

Demorou, mas finalmente anuncio os meus vencedores do prêmio Dardos, concedido a mim pela Cynthia, do blog Cântico das Palavras. Os vencedores têm o direito de publicar o prêmio em seus respectivos blogs, e o dever de prêmiar seus blogs preferidos, da mesma forma que faço agora. Pode-se premiar quantos blogs quiser.

 

Ai vão:

 

Poste Lunar

A bordo de uma viagem sem fim

Canetas Engatilhadas

Do Sétimo Andar

A optimista

Why so serious?

 

Esses blogs não seguem a mesma linha de "O Velho", mas são excelentes blogs, que já acompanho a bastante tempo. Outros, mais recentes e mais afins com o que escrevo agora (nessa transmutação pela qual tenho passado), também serão premiados, mas com outro selo (Serena, não esqueci do selo que ganhei de você, não! Só não tive tempo ainda de publicá-lo!)

 

Grande beijo e muita paz a todos.

 

;-)

quarta-feira, dezembro 10, 2008

O Lótus - Capítulo VII

Um caminho reto

 

Com a respiração bastante ofegante, Naró pára de correr naquele lugar grandioso e fechado. Havia achado um canto onde poderia se esconder. Ocultando a boca e o nariz com as mãos, na tentativa de cessar o barulho de sua respiração, imaginou que o guarda dominado na cela logo pudesse acordar e trazer ajuda. Pior, alguém poderia encontrá-lo inconsciente antes disso. Não havia tempo a perder. Observou ao seu redor e viu uma passagem para um outro local, onde talvez fosse melhor se esconder, ou houvesse alguma saída. Não vendo nenhuma presença, disparou na direção dessa sala. Era fácil se manter em silêncio: O chão era incrivelmente plano, de pedra fria. Quase não se escutava o barulho de seus pés ligeiros.

 

Ao entrar, ficou encantado com tamanha variedade de objetos. O que mais lhe chamava a atenção eram alguns belos vasos que se podia ver através deles, ou ver seu conteúdo, para aqueles que comportavam alguns dos curiosos líquidos coloridos.

 

De repente, passos. Alguém se aproximava do lugar. Naró olhou ao redor, procurando onde pudesse se esconder, e viu uma espécie de tenda pequena. Agilmente, em instantes já se achava oculto em seu interior.

 

Uma pessoa entrou. Estava coberta por um tecido enorme, envolvendo o corpo inteiro, inclusive a cabeça. E carregava consigo algo que era familiar ao discípulo de Atisuanã:  Seu Jamanxim.

 

Começa a remexê-lo e retira a garrafa que contém a raiz dos Espíritos. Um arrepio percorre sua coluna. Pior que o chá ser usado por pessoas erradas, era não ter mais o chá. Essa era a última dose que provavelmente existia. E ele precisava dela para fazer mais, visto que não havia ninguém vivo que o pudesse fazer. Fechou os olhos um instante, lembrando da importância de retomar sua fé, e se lembrou do que o mestre lhe disse da última vez que bebeu o chá.

 

- A cada novo encontro, ensinarei uma palavra de poder, para ser usada nas horas de necessidade. A primeira, você já usou hoje. A cada novo uso, uma virtude crescerá mais forte em você.

 

Fazia um esforço para se lembrar qual havia sido, naquele dia, a tal palavra de poder. Não conseguiu, mas intuia que era algo bastante simples. Sempre o era.

 

Começou a se lamentar, mas reagiu em seguida. Não podia perder a esperança, esse era um grande ensino de Atisuanã que ele já havia aprendido. Tudo é ensino. Tanto a trajédia quanto a alegria, pensou,  ambas só existem para se alcançar a meta.

 

Aquele homem todo coberto deveria ser muito poderoso. Um feiticeiro, talvez. E sua "oca", aquele lugar cheio de vasos estranhos, demostrava que ele já havia compreendido alguns segredos da natureza. Por um momento, duvidou de sua coragem.  Cada lembrança de suas últimas ações o deixava mais abatido: Quando fugiu da tribo sem resgatar o mestre, de não ter voltado quando ele assim o ordenou, de não ter encarado o interior obscuro da floresta. A ausência dessa virtude emperrava seu progresso. No entanto, novamente, a esperança lhe dizia por dentro para erguer a cabeça. Sua curiosidade, sua teimosia, de certa forma era um desejo da coragem em se manifestar. Lembrou-se, então, de um momento raro em que ela se manifestou nele: Quando estava prestes a ser dominado pelo Lótus de incontáveis pétalas. Não suportou se entregar daquela forma à sonolência fatal da planta e gritou, um grito vindo das entranhas da alma: Coragem! Sim, essa era a palavra que o mestre havia lhe ensinado. E como se esquecer da recente fuga da prisão? Como é fácil fechar os olhos às coisas boas, quando a alma está aflita!

 

O homem encoberto desamarra a garrafa e cheira o conteúdo.  O coração de Naró dispara, mas o homem rejeito o odor. Reamente, não é um cheiro fácil. Faz menção de jogar o conteúdo da garrafa fora. Ao ver essa possibilidade, um frio percorreu sua espinha e uma vontade de gritar veio junto da ação:

 

- Corageeeem! - Grita Naró ao mesmo tempo em que salta na direção do homem, visando seu pescoço.

 

O homem se virou, assustado, deixando a garrafa cair no chão, fugindo em seguida por onde entrou. Naró o perseguiu,  alcançando-o rapidamente. Agarrou sua cintura e o derrubou no chão. Em sua língua, ele passa a se debater e gritar por ajuda. Surpreendido por sua voz aguda, Naró retira o pano que cobria sua cabeça, revelando uma bela mulher.

 

Num salto para trás, ambos param e se olham por instantes, assustados. O jovem aprendiz foi educado para respeitar as mulheres, mas só percebeu ser ela e não ele quando ambos já estavam se debatendo no chão. Antes de qualquer palavra ou ação, a ajuda chega.

 

Aquele susto desnorteou o rapaz, que não se lembrou de usar a palavra mágica novamente. Correndo para o interior da sala, vê a garrafa intacta no chão. Sem parar, ele a pega e segue rumo ao corredor de onde estava, enquanto escuta um som grave e contínuo, como o de um chifre quando soprado, e de vozes e gritos do povo daquela língua estranha. À sua frente, surgem dois guardas portando lanças, forçando-o a mudar sua rota de fuga, rumo a um caminho que ainda não havia passado, naquele lugar fechado. Enquanto corria, reamarrava a garrafa. Sabia que não havia como escapar. A escondeu no primeiro canto escuro que encontrou, assim que conseguiu fechá-la, virou-se para os guardas e postou as mãos à frente. Os guardas entenderam sua rendição e o amarraram. É guando surge Toró.

 

- Aí está você, jovem fujão. Não se preocupe, não voltará para sua cela agora. O Rei deseja vê-lo.

 

______________

 

Yriambé, em sua oca oculta no interior da mata, preparava uma poção de cura, para algum enfermo de alguma tribo. Já estava muito velho. Era, com certeza, o homem mais velho vivo em todas as tribos próximas. Uma voz, vinda da entrada da oca, às suas costas, não o tirou de sua concentração.

 

- Mestre! - diz Atisuanã, sem entrar na oca.

- Quanta felicidade em revê-lo, querido discípulo. Muita falta me fez enquanto buscava no seio da mata.

- O mestre sabia?

- Desde que era pequenino. E muito antes disso.

 

Um silêncio profundo. Ambos se abraçam. O discípulo finalmente encontrou o mestre.  Atisuanã, então, mostra a raiz dos espíritos inteira, retirada de onde havia se aventurado, no interior obscuro da floresta, que ficava dentro de outra região também obscura da mata. Nada poderia ser mais obscuro. Exatamente alí, encontrou essa luz. O mestre esboçou um sorriso e, sem falarem mais nada, continuaram seu trabalho. Yriambé guarda a raiz respeitosamente,  e ambos prosseguem com a elaboração do unguento que aliviaria as dores de alguém. Pois era essa a alegria e o segredo da busca eterna de cada um: Passar adiante todo o bem descoberto, toda a verdade revelada, e todo o amor compreendido.

 

 

(continua, toda quarta-feira, as 11h da manhã)

quarta-feira, dezembro 03, 2008

O Lótus - Capítulo VI

Amigos e Inimigos

 

- Um discípulo e um príncipe. - diz Toró, encarando Naró e Ichua, ambos perplexos - Justo agora que preciso de mestres e reis...

- O que houve, ancião? - Pergunta Naró - Onde está meu mestre? O que está acontecendo?

- Muitas coisas, meu jovem. E muitas delas começaram há mais tempo do que parecem.

- Você está do lado do povo daqui? - Indaga Ichua.

 

Toró o encara com um ar sério, pensativo. Aproxima-se do filho do cacique e coloca sua mão direita sobre o braço esquerdo dele, com um olhar paternal.

 

- Estou do lado certo. É isso o que importa. E precisamos da ajuda de vocês dois. Este povo é muito perigoso, não podemos nos decuidar.

- Não acredito em você. - diz Naró - Você queria nos sacrificar! Onde está Atisuanã?  Diga o que está acontecendo.

- Sinto muito, jovem Naró. Tive que fazer aquela encenação para saciar a ira das pessoas. O caos ameaçava a todos nós. Se eu não o fizesse, elas o fariam. E de maneira muito mais trágica. Eu, ao menos, os protegi, amarrando vocês à árvore.

- Espera que eu acredite nisso?

- Naró! - Interrompe Ichua - Deixe ele falar. Porque mentiria pra gente? Estamos cativos, não há nada que possamos fazer.

- Sábias palavras, jovem Ichua. - Diz Toró - Além disso, não temos tempo para discussões. Mais tarde prometo lhes contar sobre minhas relações com o povo daqui. Como dizia, são muito poderosos, e um rei os governa. Seu nome é Topa Capac. Ele quer vê-lo, Ichua.

- Então vamos. Já estava esperando por isso.

- Terá de ficar sozinho por enquanto, jovem Naró. Mas logo volto. Você virá a ser útil.

 

Ichua e Toró deixam Naró sózinho. A porta barulhenta e pesada ecoa pelos corredores daquele lugar obscuro ao abrir e ao fechar. Ichua está tranquilo. Nesses poucos dias que se passaram, desde a tragédia causada pela morte silenciosa, aprendeu a dar valor para as forças que estão além de seu domínio. O que mais poderia fazer naquele momento? Havia decidido marter-se sempre tranquilo. Além do mais, um inimigo perigoso há de tomar um cuidado maior com um adversário que não teme a morte. Era exatamente isso que estava fazendo o segundo herdeiro dos Tirós. Devia aceitar o pior destino, a morte, com naturalidade. A partir dai, todos os outros acontecimentos pareceriam apenas jogos infantis.

 

A sala do rei é incrível, de uma magnitude jamais imaginada. O teto é mais alto que a maioria das árvores e troncos grossos de pedra,  simétricos e brilhantes, o apoiam. É comprido e, ao fundo, está o rei Topa sentado num acento magestoso. Está tão distante de Ichua que mal é possível descrevê-lo. Dois homens guardam a porta de entrada com lanças pesadas e a liberam logo ao verem Toró. Esse fato não passa despercebido por Ichua.

 

Quando adentram o recinto, Ichua vê o jovem rei, ao fundo, se levantar e esperar por eles de pé. Parece ter a mesma idade de Naró, mas ostenta um ar de diligência. É então que Ichua percebe uma coroa azulada, enorme, com uma pedra vermelha brilhante e polida sobre sua testa. Tão brilhante quanto uma fogueira, banhando de luz os arredores do salão.

 

- É com muito prazer que lhe recebo, filho de Quityambó. - Diz o rei, enquanto os dois visitantes, ainda distantes, se aproximam dele, com sua voz ecoando fortemente pelo imenso lugar. - Espere! - diz Toró a  Ichua, segurando seu ombro com uma das mãos - Não podemos nos aproximar mais.

 

Então, o ancião tiró se ajoelha, abaixando a cabeça. Ichua faz o mesmo, logo após.

 

- Infelizmente, não temos tempo para apresentações. Perdoe-me pela forma como o tratei. Há inimigos infiltrados. Nossos atos devem ser discretos.

- Nobre rei, o que deseja de mim?

- Acredita que tem algo a me oferecer?

- Eu? Não...

- Pois bem, então não lhe peço nada. Você tem algo a me pedir?

 

Depois de um breve silêncio, Ichua ergue a cabeça e encara o rei.

 

- Senhor, desejo saber como está meu pai.

- Porque acha que tenho informações sobre seu pai?

- Parece ser muito poderoso, senhor.

- Ama seu pai?

- Muito!

- Entende o que ele diz?

- Como?

- Seu pai tem falado coisas estranhas, numa língua estranha, não é mesmo?

- Sim! Siriam...   - faz um esforço para se recordar.

- Siriam, narena rudia ka lestrina.

- Isso! Mas não, não sei o que significa...

 

Novo silêncio. O rei Topa franze levemente a testa e vira-se de costas para os dois.

 

- ... mas sei quem sabe!

 

O rei permanece de costas, em silêncio. Em seguida, vagarosamente, se vira.

 

- Quem?

- Naró, senhor. Ele é o único discípulo de Atisuanã, e disse entender algumas  coisa do que meu pai disse.

- Isso é verdade, Toró?

 

Toró ergue a cabeça, desconcertado.

 

- Não sei, meu senhor! Isso é novidade para mim.

- Onde poderíamos encontrá-lo? - Pergunta o rei a Ichua.

- Senhor, ele está aqui! Está na mesma prisão que eu estava!

- Hmm... interessante.  Parece que as circustancias estão mesmo convergindo, Toró.

- Sim, meu senhor. - diz o ancião, enquanto parece tentar esconder uma repentina preocupação.

- Pois traga-me já o discípulo de Atisuanã. E devolvam o filho do cacique à sua cela. Perdoe-me, jovem Ichua, mas é necessário que seja assim, por enquanto.

 

Sem dizer mais palavra, Toró sai e Ichua o segue resignado e preocupado. Teria ele agido errado em falar de Naró? Sentia algo de grandioso no rei, sentia que poderia e deveria confiar nele.

 

- O que achou de Topa Capac, o rei? – diz Toró.

- Jovem. Acho que ele sabe muito sobre nós. E fala muito bem nossa língua.

- Ele é um grande rei! Ainda vai entender muita coisa, Ichua. Por enquanto, não posso lhe adiantar nada.

- Impressionante a sua coroa. Como pode um objeto brilhar daquela forma, com tantas cores?

Toró não responde imediatamente. Apenas olha com estranheza para Ichua por um tempo. Então diz, baixinho e vacilante:

 

- Coroa?!  Que coroa?

 

Ichua estranha a pergunta do ancião, mas finge não escutar. Como pode alguém não ver algo tão grandioso?

 

- Bom, chegamos. - diz Toró, ordenando com um sinal de mão que o carcereiro abrisse a porta da cela onde estava Naró.

 

- Venha, jovem, Naró! O rei deseja vê-lo.

 

Ninguém responde. Naró parece deitado no canto mais escuro da cela, inconsciente. Ichua o balança, para que ele acorde.

 

- Naró! Levante-se. - diz, enquanto o agita, sem obter resposta.

- Está morto?

- Não, parece inconsciente. Respira ainda.

- Traga-o para a luz.

 

Ichua obedece. Assim que o faz, Ichua se surpreende com o que vê:

 

- Naró fugiu!

 

 

 

 

 

 

 

(continua, toda quarta-feira, as 11h da manhã)