O Lótus - Capítulo VIII
Forças opostas
- O rei deseja vê-lo. - Disse Toró.
Para Naró, na língua de sua tribo, rei era algo grandioso demais. Tanto que nem seu maior chefe, o cacique, recebia esse título. Apenas os mais sábios entre alguns espíritos ancestrais eram assim chamados. O discípulo estava confuso.
- É um verdadeiro rei. - continua Toró - Vive, presente de corpo, e governa todo esse povo.
Toró faz sinal para os guardas soltarem o jovem tiró, que o fazem imediatamente. Naró não confia em Toró. E não tenta ocultar seu sentimento. Seu olhar inquisitivo para o ancião o deixa desconfortável.
- Sei que não confia em mim, meu jovem. Mas há de compreender, um dia, que meus atos são para o bem.
Naró se surpreende, assim como Ichua antes dele, com a magnitude da sala do trono do rei. E, assim como o filho mais novo de Quityambó, fica encantado com o resplendor de sua coroa azul e rubra. Também é orientado para se curvar a uma grande distância de Topa Capac.
- Pode se retirar, Toró.
O ancião vacila ante o pedido. O rei nunca havia ficado sozinho com um visitante, sem um conselheiro ou guarda presente. Ante à indecisão de Toró, o rei mantém a calma.
- Toró! - diz Topa Capac, a voz ligeiramente mais alta.
O ancião se ergue rapidamente. Reverencia o rei, curvando-se levemente, e dirige-se à saída.
Naró percebe que algo diferente está ocorrendo. Durante o longo tempo que Toró leva para sair, tenta imaginar a razão.
- Gosta de observar as estrelas, jovem Naró?
Naró, sempre desconfiado, demora para responder. O rei se mantém paciente.
- Seu mestre gostava muito de observar as estrelas.
O discípulo ergue a cabeça. Seus olhos perscrutam cada centímetro de Topa.
- Era íntimo do mestre? - Questiona Naró.
- Eramos muito amigos. - diz o rei, enquanto se aproxima, vagorosamente, do jovem tiró.
- Onde está meu mestre?
- Seu mestre está a caminho de Airelan agora. Não é esse nome familiar às crenças de sua tribo?
- Sim.
- Pois o é para as nossas crenças também. Somos chamados Quéltis. No entanto, as nossas diferem ligeiramente das suas. Enquanto que, para os tirós, Airelan é o destino dos sábios caídos, como punição, para nós ela é o lar perdido. É de onde todos nós viemos e para onde todos iremos, tanto os bons quanto os maus. É onde seremos julgados pela grande deusa.
- De que forma meu mestre está indo para lá? Navega seu corpo ou sua alma?
- Você é sábio, meu jovem. Não a toa é o único discípulo de Atisuanã. Mas não passou por todos os testes ainda. Há certas verdades que devem ser protegidas, mesmo de pessoas confiáveis como você. Seu mestre está cumprindo as tarefas que ele mesmo se impôs, há muito tempo atrás.
Nesse momento, o rei já se encontrava a poucos passos de Naró, que sentia mais intensa sua presença. A luz da coroa o cegava, de tão intesa. Era necessário quase fechar os olhos para manter a atenção.
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Yriambé havia chamado seu discípulo, Atisuanã, para visitá-lo em sua oca oculta na mata. Poucos sabiam encontrá-la, e o futuro pajé dos tirós era um desses poucos. Os métodos de comunicação entre eles eram misteriosos para a maioria. Mas todos respeitavam o poder desses grandes homens, tão afins com a divindade.
Chegando na oca, o ainda discípulo não encontrou o mestre, e alguns de seus pertences não estavam no interior. Saiu, procurou vestígios.
Atisuanã já havia alcançado a maturidade plena. Era um curandeiro experiente. Seu papel era o de indicar a cura a todos os doentes a partir do reconhecimento de que suas doenças estavam presentes nele mesmo. Tudo isso, sem nunca cobrar a cura do paciente. Tudo tem o seu tempo. Seus principais remédios eram o sorriso, a alegria. Seus outros remédios estavam no coração da mata, enraizados no solo antigo e no tempo sem fim.
Resolveu seguir a intuição, os guiar-se pelos sinais sutis que encontrava. E percebeu no ar um olor suave, doce e novo, que o conduziu para uma clareira onde Yriambé estava sentado, com uma enorme flor no colo.
- Devo partir. - disse o mestre.
- Entendo, mestre. Agora entendo claramente.
- Reconhece essa flor?
- Sim. O Lótus da verdade.
- Já contou suas pétalas? - diz, ofertando a flor a seu discípulo.
- Nunca consegui.
- Ela tem o número de estrelas que devem ser contadas no caminho para Airelan. É para lá que devo ir. E você também, mas não agora. Seu dia também chegará, Atisuanã, mas, por enquanto, uma outra tarefa o aguarda. Sua tribo terá um novo cacique em breve, um homem sábio. Um de nós. Deve protegê-lo, auxiliá-lo em sua busca. Deve orientá-lo em seu caminho, pois sua missão é muito importante. E deve escolher um discípulo para continuar seu trabalho. Só assim poderá me seguir.
- Sou muito grato por tudo, mestre. E sentirei muita saudade do senhor.
- O tempo é sempre breve, quando sabemos conduzí-lo, meu filho. Logo, nos reencontraremos!
Yriambé se levanta, abraça o discípulo e, sem mais demora, vira-se e caminha para fora da clareira, para dentro do cobertor de árvores antigas que formam a mata. Atisuanã sorri e quase deixa escapar uma lágrima. Volta pelo caminho que veio, a espera do dia em que sua tarefa finde, para estar novamente na presença amada de seu mestre, em Airelan, para receber seu prêmio, ou sua punição, com a alegria típica daqueles que começam a compreender a verdade.
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- Vejo que ainda não está pronto, discípulo - diz Topa Capac. Mesmo assim, parece ter compreendido sozinho uma verdade secreta. Gostaria de entender como.
- O que imagina que tenho compreendido?
- O mesmo que Quityambó compreendeu.
- Siriam, narena rudia ka lestrina.
O rei escuta aquela frase. Ao menos, ele se lembra dela. Mas, em seu interior, repara que Naró ainda não a compreendeu totalmente.
- Não há magia plena nas palavras pronunciadas pela sua boca, jovem. E, onde não há magia, não há compreensão.
- Compreendo vagamente. Mas não direi ao senhor.
- Pois deve voltar à sua cela, até resolver falar o que sabe. É muito grandioso o segredo que carrega. Não posso correr esse risco. Apenas me intriga alguém como você ter compreendido, mesmo que em parte, um ensino tão protegido.
- Rei Topa - diz Naró, eguendo-se e encarando a luz cegante vinda de sua coroa. Devo voltar à tribo. Atisuanã assim me ordenou, mas não obedeci de imediato. Se o senhor era, realmente, amigo de meu mestre, liberte-me! Toda a ancestralidade de meu povo está em suas mãos agora.
- Não posso. A ancestralidade pode ser recomeçada. O poder que carrega, discípulo, não poderá ser restaurado se cair em mãos erradas.
Um breve silêncio. O rei fecha os olhos, posta as mãos à frente, palmas voltadas para cima. De repente, sua coroa começa a brilhar ainda mais. O azul torna-se quase branco e o vermelho, que sai de um ponto central de sua testa, torna-se violeta. Depois de um breve momento, o rei abre os olhos e ordena de maneira autoritária, porém serena:
- Volte para sua cela, agora.
Os músculos de Naró paralisam nessa hora. Não consegue se mover. Então, seu corpo começa a se virar sozinho, como se estivesse caminhando de volta para a cela. Parece não haver nada que possa fazer. Apenas sua mente ainda está sob seu controle. É quando o discípulo de Atisuanã se lembra da palavra mágica, mais uma vez. Primeiro, a diz mentalmente, de maneira suave, mas não consegue mudar sua situação. Então, a repete seguidamente e percebe que o controle começa a voltar. Pouco a pouco, até o suficiente para fazer o ar ao seu redor vibrar ao som da palavra de poder aprendida.
- Cora... gem!
Subtamente para no lugar. O corpo todo passa a tremer, ante ao embate de forças opostas. Com muito esforço, vira-se de volta na direção do rei.
- Realmente, há algo de especial em você que não tinha reparado, discípulo de Atisuanã.
Topa Capac está sério e, ao invés de aumentar seus esforços para controlar os movimentos de Naró, faz o oposto: Com um simples gesto o liberta daquele cativeiro.
- Volte agora, por favor, à sua cela. Volte por sua vontade. Ou terei que chamar os guardas.
Naró está duplamente assustado. Primeiro, com o imenso poder daquele homem. Segundo, com a capacidade em pedir gentilmente para que ele volte para sua cela, mesmo tendo tamanha força. Havia algo para ser compreendido. Resolve então recuar, obedecer o rei, voltar a sua cela e meditar. Começava a perceber que a própria natureza o impunha uma situação que ele havia se recusado voluntariamente: A reflexão. Acima de tudo, desejava alcançar o mestre querido. Finalmente, se dispôs a aprender com o que estava ao seu alcance, a cela fria e escura. O interior.
Sem dizer mais nada, segue voluntariamente de volta para onde o rei havia lhe ordenado ir.
(continua, toda quarta-feira, as 11h da manhã)
7 Comments:
Depois de ler, ficam tantas dúvidas esperando por respostas e é uma pena que tenha que esperar uma semana inteirinha pra ler mais um pouquinho!
Um grande beijo meu amigo e não vou dizer mais uma vez que estou adorando...ihiii...já disse!rsrsrs
Beijos e até semana que vem.
Todos nós devemos meu querido, mas devo admitir que é muito difícil, afinal é uma vida inteira de erros e não vamos mudar de uma hora para outra.
Temos que começar aos poucos, mas "temos" que começar, caso contrário não sei o que será do nosso planeta daqui a poucos anos.
Um beijo bem grande pra você meu amigo!
Espero que Naró tenha a sua compreensão...
gostei...
beijos meu amor
Te Amo!!!
Olá,
Gosto dos seus escritos.
Passando para deixar um pouco de carinho em sua página.
Uma linda noite e muita paz em sua casa.
Smack!
Edimar Suely
jesusminharocha.blig.ig.com.br
Minha vida, convido-te a dar uma visitada no Jardim, à um novo nascer de flores lá, ou seja, uma nova postagem...
bjinhus
Te Amo
Amo te
muito...
Invente seu Natal!
Faça algo diferente!
Faça o melhor que puder com aquilo que tiver!
Enfeite-se, alegre-se.
Se não tem dinheiro, encha seu coração de amor! Seja a própria árvore com bolinhas coloridas e muito riso!
O calor que emana do seu abraço dinheiro nenhum no mundo
poderia comprar.
Dê um abraço, um sorriso, um te gosto, um te amo. Seja você o presente!
Um Natal de muita paz e luz pra você meu querido e já estou relendo o capítulo VIII para não perder detalhe nenhum amanhã...rsrs! Bjs.
Olá,
antes de comentar este capítulo, quero agradecer os teus comentários. Realmente não sei o que aconteceu, pois recebi um comentário nesse post hoje e tudo funcionou bem. Bugs informáticos ou talvez o universo te tenha levado ao meu Jardim, assim conheceste outra parte minha!
Quanto a este capítulo...adorei a vertente de nos colocares a confrontar com alguém mais poderoso. Ter poder sobre os outros não significa que o tenhamos de usar, às vezes é mais eficaz, senão mesmo correcto, pedir, como fez o Rei ao nosso Herói.
Finalmente estou actualizada e poderei desfrutar da energia de espera dos capítulos seguintes, deixando tempo para que os teus ensinamentos sejam interiorizados.
Quanto à tua forma de fazer o ritual do solstício respondo que não há uma forma correcta de fazer o caminho senão aquela que está em sintonia com o nosso coração! Por isso, claro que uma "simples" oração vale, afinal o meu, para mim, também não passa de uma oração, com estímulos físicos, mas na sua base é um diálogo com o Divino. :)
Obrigada pelas tuas partilhas e todos precisamos de ajuda no caminho, como o Naró.
Desejo-te, já, um ano Novo pleno, que tudo o que estiver para vir até ti, venha com naturalidade.
Beijos
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