O Lótus - Capítulo VII
Um caminho reto
Com a respiração bastante ofegante, Naró pára de correr naquele lugar grandioso e fechado. Havia achado um canto onde poderia se esconder. Ocultando a boca e o nariz com as mãos, na tentativa de cessar o barulho de sua respiração, imaginou que o guarda dominado na cela logo pudesse acordar e trazer ajuda. Pior, alguém poderia encontrá-lo inconsciente antes disso. Não havia tempo a perder. Observou ao seu redor e viu uma passagem para um outro local, onde talvez fosse melhor se esconder, ou houvesse alguma saída. Não vendo nenhuma presença, disparou na direção dessa sala. Era fácil se manter em silêncio: O chão era incrivelmente plano, de pedra fria. Quase não se escutava o barulho de seus pés ligeiros.
Ao entrar, ficou encantado com tamanha variedade de objetos. O que mais lhe chamava a atenção eram alguns belos vasos que se podia ver através deles, ou ver seu conteúdo, para aqueles que comportavam alguns dos curiosos líquidos coloridos.
De repente, passos. Alguém se aproximava do lugar. Naró olhou ao redor, procurando onde pudesse se esconder, e viu uma espécie de tenda pequena. Agilmente, em instantes já se achava oculto em seu interior.
Uma pessoa entrou. Estava coberta por um tecido enorme, envolvendo o corpo inteiro, inclusive a cabeça. E carregava consigo algo que era familiar ao discípulo de Atisuanã: Seu Jamanxim.
Começa a remexê-lo e retira a garrafa que contém a raiz dos Espíritos. Um arrepio percorre sua coluna. Pior que o chá ser usado por pessoas erradas, era não ter mais o chá. Essa era a última dose que provavelmente existia. E ele precisava dela para fazer mais, visto que não havia ninguém vivo que o pudesse fazer. Fechou os olhos um instante, lembrando da importância de retomar sua fé, e se lembrou do que o mestre lhe disse da última vez que bebeu o chá.
- A cada novo encontro, ensinarei uma palavra de poder, para ser usada nas horas de necessidade. A primeira, você já usou hoje. A cada novo uso, uma virtude crescerá mais forte em você.
Fazia um esforço para se lembrar qual havia sido, naquele dia, a tal palavra de poder. Não conseguiu, mas intuia que era algo bastante simples. Sempre o era.
Começou a se lamentar, mas reagiu em seguida. Não podia perder a esperança, esse era um grande ensino de Atisuanã que ele já havia aprendido. Tudo é ensino. Tanto a trajédia quanto a alegria, pensou, ambas só existem para se alcançar a meta.
Aquele homem todo coberto deveria ser muito poderoso. Um feiticeiro, talvez. E sua "oca", aquele lugar cheio de vasos estranhos, demostrava que ele já havia compreendido alguns segredos da natureza. Por um momento, duvidou de sua coragem. Cada lembrança de suas últimas ações o deixava mais abatido: Quando fugiu da tribo sem resgatar o mestre, de não ter voltado quando ele assim o ordenou, de não ter encarado o interior obscuro da floresta. A ausência dessa virtude emperrava seu progresso. No entanto, novamente, a esperança lhe dizia por dentro para erguer a cabeça. Sua curiosidade, sua teimosia, de certa forma era um desejo da coragem em se manifestar. Lembrou-se, então, de um momento raro em que ela se manifestou nele: Quando estava prestes a ser dominado pelo Lótus de incontáveis pétalas. Não suportou se entregar daquela forma à sonolência fatal da planta e gritou, um grito vindo das entranhas da alma: Coragem! Sim, essa era a palavra que o mestre havia lhe ensinado. E como se esquecer da recente fuga da prisão? Como é fácil fechar os olhos às coisas boas, quando a alma está aflita!
O homem encoberto desamarra a garrafa e cheira o conteúdo. O coração de Naró dispara, mas o homem rejeito o odor. Reamente, não é um cheiro fácil. Faz menção de jogar o conteúdo da garrafa fora. Ao ver essa possibilidade, um frio percorreu sua espinha e uma vontade de gritar veio junto da ação:
- Corageeeem! - Grita Naró ao mesmo tempo em que salta na direção do homem, visando seu pescoço.
O homem se virou, assustado, deixando a garrafa cair no chão, fugindo em seguida por onde entrou. Naró o perseguiu, alcançando-o rapidamente. Agarrou sua cintura e o derrubou no chão. Em sua língua, ele passa a se debater e gritar por ajuda. Surpreendido por sua voz aguda, Naró retira o pano que cobria sua cabeça, revelando uma bela mulher.
Num salto para trás, ambos param e se olham por instantes, assustados. O jovem aprendiz foi educado para respeitar as mulheres, mas só percebeu ser ela e não ele quando ambos já estavam se debatendo no chão. Antes de qualquer palavra ou ação, a ajuda chega.
Aquele susto desnorteou o rapaz, que não se lembrou de usar a palavra mágica novamente. Correndo para o interior da sala, vê a garrafa intacta no chão. Sem parar, ele a pega e segue rumo ao corredor de onde estava, enquanto escuta um som grave e contínuo, como o de um chifre quando soprado, e de vozes e gritos do povo daquela língua estranha. À sua frente, surgem dois guardas portando lanças, forçando-o a mudar sua rota de fuga, rumo a um caminho que ainda não havia passado, naquele lugar fechado. Enquanto corria, reamarrava a garrafa. Sabia que não havia como escapar. A escondeu no primeiro canto escuro que encontrou, assim que conseguiu fechá-la, virou-se para os guardas e postou as mãos à frente. Os guardas entenderam sua rendição e o amarraram. É guando surge Toró.
- Aí está você, jovem fujão. Não se preocupe, não voltará para sua cela agora. O Rei deseja vê-lo.
______________
Yriambé, em sua oca oculta no interior da mata, preparava uma poção de cura, para algum enfermo de alguma tribo. Já estava muito velho. Era, com certeza, o homem mais velho vivo em todas as tribos próximas. Uma voz, vinda da entrada da oca, às suas costas, não o tirou de sua concentração.
- Mestre! - diz Atisuanã, sem entrar na oca.
- Quanta felicidade em revê-lo, querido discípulo. Muita falta me fez enquanto buscava no seio da mata.
- O mestre sabia?
- Desde que era pequenino. E muito antes disso.
Um silêncio profundo. Ambos se abraçam. O discípulo finalmente encontrou o mestre. Atisuanã, então, mostra a raiz dos espíritos inteira, retirada de onde havia se aventurado, no interior obscuro da floresta, que ficava dentro de outra região também obscura da mata. Nada poderia ser mais obscuro. Exatamente alí, encontrou essa luz. O mestre esboçou um sorriso e, sem falarem mais nada, continuaram seu trabalho. Yriambé guarda a raiz respeitosamente, e ambos prosseguem com a elaboração do unguento que aliviaria as dores de alguém. Pois era essa a alegria e o segredo da busca eterna de cada um: Passar adiante todo o bem descoberto, toda a verdade revelada, e todo o amor compreendido.
(continua, toda quarta-feira, as 11h da manhã)
6 Comments:
lindo...
E interessante Naró usou a palavra mágica "Coragem", pena que ele esqueceu depois, mas tudo bem rsrs
Achei que este capítulo fechou com chave de ouro...
disse em poéticas palavras, que a alegria está nas coisas mais ingênuas e simples da vida, como:
"...Passar adiante todo o bem descoberto, toda a verdade revelada, e todo o amor compreendido..." ótimo!
Ah! e muito bonito o encontro do discípulo com o Mestre...
sabe que toda vez que leio O Lótus, as imagens passam na minha cabeça como um filme, e imagino que o discípulo Naró é vc...
Te Amo muito muito viu?!
Vc me traz ALEGRIA!
Beijos embalados de amor para ti!
Desculpe a demora...mas cheguei!rsrs
Estava preparando meu post para a blogagem coletiva pelos Direitos Humanos e me demorei um pouquinho.
Está cada vez melhor O Lótus meu amigo...estou adorando muitooo!
Obrigada por me proporcionar esta ótima leitura viu!
Beijos e já que não tem remédio, vou esperar até Quarta pra ler mais um pouquinho! rsrs
Fica com Deus meu querido!
olahhh
puxa, me desculpe por tanto temo de ausência, aqui e pra responder seus comentários...
mas estou aqui, ainda não consegui me interar totalmente do ponto em que parei na história, mas ao passo que for lendo, vou deixando um comentário em cada post ok??
um grande beijo
e um abraço cheio de energia...
ainda que virtualmente!
com carinho,
valeria ribeiro
Nossa que dez Edinho..vc escreve melhor a cada capitulo parabéns...
Valeu pelos toques edinho vou reler, sim e que eu escrevi com um pouquinho de pressa e me descuidei, muito grato...abraços....
Finalmente se estabelece alguma ordem, o mestre e discípulo juntos novamente.
Este capítulo, mais do que os outros, é todo um ensinamento profundo. Até agora o que me diz mais, as palavras de poder e as capacidades inerentes a cada um que as utiliza, é algo que faz parte do meu dia-a-dia!
Parabéns
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