O Velho

Caminhando...

quarta-feira, novembro 19, 2008

O Lótus - Capítulo IV

Feiticeiros

 

O sol brilhava forte na tribo tiró. O jovem Atisuanã partira antes dele despontar no céu. Ia atrás das plantas que seu mestre precisava para tratar dos males da tribo.  Yriambé vivia isolado, em sua oca. Não era como seu discípulo, extrovertido e brincalhão. Mas era gentil e humilde. De coração amoroso, cuidava de todos, de qualquer tribo, pela simples alegria de fazer o bem.

 

Atisuanã o admirava muito. Achava importante a serenidade, a seriedade, o equilíbrio entre firmeza e amor, disciplina e sensibilidade. Não sentia afinidade pelos modos mais brutos dos outros membros da tribo. Costumava passar as noites no galho mais alto de uma árvore que havia próximo à oca de sua família. Lá, observava as estrelas. Havia vezes em que  o céu ficava branco, tamanha a quantidade delas. Era particularmente interessado por uma constelação em forma de homem pescando, cuja estrela central tinha um brilho pulsante bem ritmado. Sentia uma saudade imensa quando olhava para ela. Não conseguia distinguir de onde vinha esse sentimento, mas fazia parecer que o lugar onde vivia não era seu verdadeiro lar.

 

Naquele dia, havia ido longe demais. Havia se perdido na floresta. Chegou à mesma encruzilhada que Naró chegaria tempos depois: Entre um ponto ainda mais obscuro da mata, e a descida mais clara rumo à algum provável rio. Mas Atisuanã, mais velho que Naró quando chegaram ao mesmo ponto, já sabia o que estava por vir: Seu primeiro teste para adentrar os segredos dos feiticeiros imortais.

 

Yriambé, com sua serenidade e compaixão, havia adotado Atisuanã desde cedo. Viu nele algo que os olhos físicos apenas não são capazes de enxergar. Não era de falar muito. No entanto, um dos ensinos que chegava à mente do discípulo naquele momento era a necessidade de encarar os medos. Um feiticeiro deve eliminar todo medo, sentimento malígno que sempre existiu no coração do homem. Era clara a necessidade de enfrentar essa escuridão, mergulhar fundo e voltar seguro, transmutado. Urgia, para tanto,  que o discípulo portasse a luz verdadeira. Estaria Atisuanã realmente preparado?

 

Carregava consigo o chá da raiz dos espíritos, mas sabia que não era o momento de usá-lo. Em verdade, reconhecia as forças que degladiavam em seu interior. O mal cria ilusões que soam, falsamente, claras e lógicas. Sendo a raiz uma ferramenta divina, porque não usá-la? Estaria sendo, naquele momento, iludido pelas forças contrárias à luz? Esses são os pensamentos comuns do homem que caminha rumo à sabedoria. Sua única certeza era não ter certeza de nada. E a meditação era um caminho de esclarecimento.

 

Acendeu sua fogueira. Sentou-se, fechou os olhos. Primeiro, calou o corpo, enquanto agradecia mentalmente os seis pontos da matéria: O que morre, o que nasce, o que vê, o que esconde, o que desce e o que sobe. Agradeceu então o sétimo ponto, o do espírito. Esse último era um ponto sem nome, desconhecido, apenas compreendido pelos mais sábios entre todos os sábios. O próximo passo seria calar a mente, tarefa que Atisuanã ainda não dominava totalmente. Sabia que cada um tinha seus defeitos e suas qualidades. Ninguém é melhor que ninguém. Importante conhecer suas próprias virtudes e defeitos e usá-las para eliminá-los. Um curandeiro só pode tratar as enfermidades dos outros quando reconhece as suas. O discípulo tinha em sua posse ferramentas para auxiliá-lo. Algumas delas eram as quatro grandes forças. Para calar a mente, pedia proteção à água, para que nada, além do que já estava, pudesse entrar. Um filtro natural. Retirava então a energia da terra, sua base e sua força, para confrontar-se com o fogo. Este era responsável pela destruição de tudo de nocivo em seu interior. O vento, por fim, levava para longe as cinzas e todo resquício do que já não era necessário. A mente vazia passava a ser, graças à proteção da água, o templo, a porta de entrada apenas da consciência e da luz. Graças à terra, somente as forças nocivas eram queimadas. O fogo trazia a graça da transmutação e o vento ordenava cada coisa em seu devido lugar.

 

Muito tempo se passou. Os sentidos adormeceram, a consciência despertou um pouco mais. Restava apenas a certeza do caminho a percorrer. O discípulo estava preparado. E Atisuanã, em outro estado, levanta-se rumo ao desconhecido, o recanto escuro onde viviam os feiticeiros, portando a luz adquirida não só agora, mas durante diversas existências anteriores. A mata era extremamente fechada. O coração do homem, no entanto, o era também.

 

______________

 

A manhã despontava tímida no vale da floresta. Naró acorda com novas dores na mão esquerda. Precisava cumprir o pedido de Atisuanã, voltar para a tribo a fim de aprender os segredos da raiz dos espíritos. Mas sua fé ainda não havia florescido. Começou logo a descer, a fim de encontrar o rio que o caminho indicava existir, para tratar de sua ferida. A esperança, essa sim,  não o permitia desistir. Mas, com pouca fé, não venceria os obstáculos desconhecidos, nem poderia prever o que estava por vir. E, assim, o tempo passava.

 

Um pouco antes de escurecer, começou a avistar o fundo do vale, com uma densidade maior da mata. Era, com certeza, o rio. Parou para se alimentar. Havia caçado e colhido alguns frutos, mas estas provisões estavam acabando. Resolveu dormir e esperar pela manhã para pescar. Muita coisa aconteceria no astral naquela noite, mas, no dia seguinte, não se lembraria de nada. Era preocupante, pois Naró sabia muito bem ser isso um sinal de adormecimento. Corria o risco de perder os poucos poderes que, a muito custo, havia adquirido como discípulo.

 

Restava o rio. Levantou logo com os primeiros raios de sol e, em pouco tempo, chegou ao fundo do vale. Venceu a mata marginal e, para sua surpresa, alcançou o leito seco de um rio morto. Como isso poderia ser possível, se a mata ao redor estava tão vistosa? O rio poderia secar da noite para o dia? Ao checar, realmente, o discípulo de Atisuanã verificou que o leito sem água estava úmido em alguns pontos, sinal de que ele corria por alí até bem pouco tempo. A curiosidade falava mais alto que a responsabilidade, o que o fez decidir subir rumo à nascente, para descobrir o que havia acontecido.

 

Naró estava semi-consciente, pois sabia o que tinha de fazer. Só não tinha a coragem necessária para determinar seus pensamentos. Outro detalhe agravava a situação: Parecia realmente importante descobrir o que havia acontecido com aquele rio. Duas ações imcompatíveis e importantes entravam em conflito: Voltar logo para a tribo, a fim de preservar o conhecimento ancestral, ou descobrir o que causou o secamento do rio que, inclusive, podia ter ligação com a doença que assolou sua tribo. O que seria mais importante? A falta de coragem desperta a preguiça, e ele achou desnecessário meditar pela resposta mais sábia. Seus pés foram mais rápidos que sua consciência.

 

Seguiu o rumo do leito do rio até pouco mais da metade do dia. A mão doía, a vista começou a embaçar e sinais de febre se evidenciavam, quando Naró avistou sinal de fumaça no horizonte. Estava, com certeza, próximo de alguma tribo. Conforme subia, percebia o chão cada vez mais úmido. Algumas poças de água mostravam que estava próximo do que buscava. Por precaução, subiu uma pequena colina lateral ao leito do rio, para enxergar de longe. Qual sua surpresa, quando vê que ali não era uma tribo qualquer: Havia construções enormes, umas mais altas, outras mais largas, todas belíssimas. Ao longe, um campo todo trabalhado, com plantas da mesma espécie alinhadas lado a lado. Com certeza, não foram colocadas alí pela natureza. Procura pelo rio, mas acaba descrendo em seus próprios olhos: Ele havia sido desviado. Uma barragem gigantesca impedia seu avanço e o direcionava para um lago lateral. Mas porque alguém ia querer desviar um rio inteiro? Então, sente uma picada no ombro esquerdo. Depois nas costas. Então na nuca.

 

- Malditos mosquitos! - Resmunga, pouco antes das pernas bambearem.

 

Todo seu corpo amolece e Naró cai no chão, sem conseguir se mover, embora ainda estivesse acordado. Dois homens estranhos, falando uma língua estranha, se aproximam com o corpo todo pintado de vermelho e azul.  Argolas enormes balançam em suas orelhas e uma pequena madeira  pendia do lábio superior de cada um. Uma espécie de couro protegia seus órgãos genitais e pés, presos com cipós que ele nunca havia visto. Tanta surpresa não se expressou seu rosto agora adormecido, e o aprendiz de feiticeiro foi levado na direção daquela enorme tribo, onde não poderia imaginar o que ainda estava por lhe acontecer.

 

 

 

 

 

 

(continua, toda quarta-feira, as 11h da manhã)

14 Comments:

Blogger Plenitude do Ser said...

Oi!

12:56  
Blogger Serena Flor said...

A história está cada vez melhor, só é ruim ter que esperar uma semana inteira pra ler mais um pouco...aff!
Vou esperar ansiosa a chegada da Quarta-feira agora!
Um grande beijo e uma linda tarde pra você meu querido!
Serena.

13:59  
Blogger Serena Flor said...

Gostando não meu querido....estou adorando!
Obrigada pelo carinho e ficarei aguardando a próxima semana ok?
Beijos.
Serena.

18:06  
Blogger O Profeta said...

És realmente um escriba fantástico...


Abraço

14:50  
Blogger Ana said...

O que será que acontacerá com Naró?

Essa é a pergunta que estou esperando ansiosamente para descobrir a resposta...

Passaram várias imagens em minha mente, parecia que eu estava assistindo um filme...

Cada dia melhor, meu amor

você me surpreende...

Te Amo, Te Amo, Amo-te

15:36  
Blogger Cynthia Lopes said...

E a saga continua!!! Parabéns, vc é um ótimo contador de história.
Ah, vê se incorpora no seu blog o selinho do prêmio Dardos que lhe enviei, senão vou ficar muito triste pensando que vc não gostou da homenagem... um beijão, Cynthia

16:59  
Blogger Cynthia Lopes said...

Ói, é fácil.
1. Salve a imagem do selo;
2. Transcreva com suas palavras sobre o prêmio;
3. Indique quem vc admira para receber o selinho e depois comunique aos blogueiros para que estes possam fazer o mesmo e voilá,
tudo resolvido.
Se houver algum detalhe técnico que vc desconheça, meu email é cynthiaaguiar@gmail.com, ok. bjs

01:58  
Blogger EDIMAR SUELY said...

Oi Velho,

Passando para conferir as 9dades e confesso estar gostando da história.
Desejo um lindo domingo e muita paz em sua vida

Smack!

Edimar Suely
jesusminharocha.blig.ig.com.br

13:15  
Blogger Ariane Muler said...

Oie !!!

Realmente esse capitulo , foi o que mais fiquei empolgada. Umas citações magnificas sobre os medos, saudades , e a busca em si , muito legal mesmo .
Parabéns ....

Até quarta -feira ...

Bjos

01:18  
Blogger Jhow Carvalho said...

Oi Edinho tudo bem?
Nossa qianta inspiração, você escreveu coisas realmente muito profundas como o coração do homem que é extremamente fechado, o medo, a busca da sabedoria, mas uma coisa que me deu muita curiosidade, o nome desses personagens tem algum significado ou não?...
Abraços...

13:54  
Blogger Fragmentos Betty Martins said...

.olá:)________Edinho





vim conhecer o teu "espaço"



e







adorei estar aqui:)







voltarei se não te importares:)







beijO___C______carinhO
boa-semana

15:11  
Blogger O Velho said...

Seja bem vinda, Betty!

(Não consegui responder no seu blog)

;-)

10:43  
Blogger Marisa Borges said...

Quantas vezes me sinto como o Naró, demasiado confiante ou preguiçosa para meditar e confirmar as atitudes, as acções a tomar...depois temos as surpresas, mas também é isso que dá algum gozo, para além de experiência!

Adoro a tua sugestão de meditação para acalmar a mente, faz todo o sentido! E, amei, a da viagem astral para purificação no fogo! Espero que no seguimento haja oportunidade para nos descreveres mais essa técnica.

Sinto a cada capítulo a tua escrita a ser mais forte, mais direccionada. Parabéns pelo teu excelente trabalho. Estou a adorar!

Obrigada por me adicionares no teu espaço :*

Bom fim-de-semana!!!

17:15  
Blogger Ariane Muler said...

Oie !

E essa história cada vez mais emocionante!
Fui pra são tomé esses dias , e uma canção me fez ver em minha mente uma parte das histórias suas que li !
Bjos

15:17  

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