O Velho

Caminhando...

quarta-feira, novembro 05, 2008

O Lótus - Capítulo II

A busca

 

O pânico havia se instalado entre os tirós. Vários membros, principalmente os anciões, faziam campanha frente à oca de Quityambó. Esses últimos, berrando e batendo as palmas das mãos nas coxas diversas vezes. Atisuanã, sempre calmo, jazia de pé frente à entrada da oca, de olhos fechados e expressão séria. Ao seu lado Naró, desesperado, pedia calma a todos. Estavam mesmo a ponto de invadir o lar do chefe. A grande maioria, com excessão de alguns anciões, nutria grande respeito e admiração por Atisuanã. Era apenas isso que mantinha a estabilidade nessa tarde de caos. Tudo porque muitos haviam morrido, a apenas uma lua do adoecimento do cacique.

 

- Grande Atisuanã - berrou uma das mulheres - meu filho se foi. Como pode chefe Quityambó não nos dar ouvidos?

-  Aí, aí, aí! - Berrou Toró, um dos anciões - O sol negro há de vir novamente! Lembre-se disso, Atisuanã, o sol Negro virá e levará sua alma para Airelan! Não se perca novamente!

 

"Novamente?", pensou Naró. O que ele poderia querer dizer com isso? Nesse momento, Atisuanã abre os olhos. Sem fazer nenhum outro movimento além de um leve sorriso, diz:

 

- Se Airelan for meu destino, que assim seja!

 

Silêncio. Todos ficaram assustados com o que o curandeiro disse. Segundo as crenças dos tirós, Airelan é a terra do deus do mal onde os sábios desonrados são condenados a sofrer duras penas até o reinício dos tempos.

 

- Está louco! - gritou outro ancião, ameaçando investir contra o curandeiro - É ele! Atisuanã é quem trouxe a morte silenciosa! Enlouqueceu! Ele...

 

A cerca de dois passos de alcançá-lo, pára no lugar, arregala os olhos e mantém-se em silêncio. Um ritual um tanto comum naqueles dias. Um ritual de morte. Todos sabiam o que aconteceria a seguir, momentos antes do ancião cair no chão.

 

- Morte silenciosa! Morte silenciosa!! - Gritavam todos.

 

______________

 

Naró desperta sobresaltado. Está no meio da floresta escura, sem saber se é dia ou noite nem o motivo de estar ali e, por momentos, nem mesmo seu próprio nome. O desespero faz seu coração disparar. Alguns vislumbres de um sonho que teve. Tentando se acalmar, senta-se apoiado em uma grande raiz. Aos poucos vêm à memória imagens do sonho. Uma linda mulher, pele bronzeada, olhos negros profundos e um sorriso sereno como há muito tempo não via, desde que a morte silenciosa ameaçou seu povo.

 

- Porque chamei aquela mulher de mãe?

 

Faz mais um esforço de memória, em vão. Uma agulhada na mão esquerda o lembra do erro do dia anterior. Estava enorme, inchada. Tinha que chegar no riacho logo para lavá-la e tratá-la. Dessa vez, procuraria a planta certa, não arriscaria mais com folhas desconhecidas.

 

Dois caminhos à frente. O primeiro, descendo para um vale onde, provavelmente haveria um rio. O segundo, um pouco mais plano, mas numa direção completamente desconhecida, para o interior cada vez mais obscuro da mata. Visto à distância, mais parecia uma caverna. Pensou um pouco e resolveu descer o rio. Iria precisar de água, afinal. Além disso, não estava muito disposto a enfrentar as criaturas ocultas pela eterna ausência do sol.

 

Começou a descer o vale com cuidado. A luz começava a aparecer, provando que realmente era dia e que a região mais densa das árvores e cipós mais antigos já havia ficado para trás. Nenhum som ou sinal de água, no entanto. Apenas alguns gritinho de macacos curiosos e outros cantos menores ecoavam pela vastidão. O sol já havia começado seu movimento de retirada quando Naró decidiu parar para descansar. Um pequeno brilho piscante ao sabor do vento nas folhas, chamou sua atenção, à certa distância. Pensou em se levantar para ver.

 

- Será que estou sonhando de novo?

 

Talvez fosse um sinal. Talvez o sonho fosse um aviso. Afinal, as semelhanças eram imensas. Ávido, ergueu-se e mal pode conter o contentamento ao encarar o violeta das incontáveis pétalas de cada uma daquelas flores na árvore à sua frente.

 

- Uma árvore de Lótus!

 

Naró não duvidava mais de que era um sinal. As árvores de Lótus haviam desaparecido muito antes que ele nascesse, vivendo apenas nas histórias e lendas de seu povo. A essência de sua flor tinha, segundo essas lendas, faculdades curativas impressionantes. Rapidamente, Naró apanha uma das flores cujos tons degradê de violeta a vermelho prendiam sua atenção, fascinando também pela enorme quantidade de pétalas. Ao contá-las, desiste depois de se perder quatro vezes próximo do número cento e oito. Sente o perfume, inebriante. Precisaria ainda de uma cuia para macetar a flor, mas não via nada que pudesse servir por perto. Resolve guardá-la dentro de seu Jamanxim, uma espécie de mochila feita de cipós, até encontrar o equipamento adequado.

 

- Será esse o resultado de minha busca? Será o Lótus a cura para a morte silenciosa?

 

______________

 

Naró não sabia mais o que fazer. Realmente, Atisuanã havia cometido, aparentemente, muitos pequenos erros. Ou estava louco, ou possuido. Naquele momento, parecia não se importar com o tumulto que ele mesmo acabou gerando. As pessoas, não compreendendo a passividade do curandeiro, acabavam por se limitar a gritar e lastimar a morte do ancião a alguns passos de distância. Alguns puxaram, temerosos, o corpo sem vida para longe do feiticeiro. Em verdade, o temor quanto aos poderes do Pajé já superava a admiração. Frente ao caos, Naró estava indeciso entre ajudar a carregar o corpo, ou se esquivar das mulheres gritando, ou ainda em entender o que se passava com o mestre. Acaba por tropeçar para o interior da oca. Lá dentro, Quityambó estava sentando, com as costas curvadas e a cabeça apoiada no chão, repetindo aquelas mesmas palavras, dessa vez num tom mais grave e fraco:

 

- Siriam, narena rudia ka lestrina.

 

Era o único que o cacique não espulsava da oca. Por isso, também era responsável por cuidar do lider dos Tirós.

 

- Grande Quityambó! - Questiona Naró, em derradeira esperança de obter resposta - O que posso fazer para ajudar? Será este nosso fim?

 

O cacique se cala. Ergue a cabeça e encara Naró. Olha para o alto, apontando com o dedo indicador, como quem mostra uma estrela distante. Começa então a desenhar um círculo no ar. Pára. Recolhe o braço ainda olhando para cima e, num suspiro, volta a encarar Naró, com um leve sorriso no canto da boca:

 

- Siriam.

 

Naró havia entendido. Dentro dele, a resposta saltava como uma nascente do leito da montanha de pedra. Siriam soava como lar. Um sentimento de nostalgia indescritível e saudade antiga fez com que o discípulo de Atisuanã ficasse ainda mais confuso, pasmo e reflexivo, apesar dos gritos que não cessavam, vindos de fora.

 

Então, Toró entra abruptamente:

 

- Lá está seu discípulo! Não podemos nos arriscar. Ele pode estar enfeitiçado ou louco também!

 

Naró se levanta, tenta fugir, mas é dominado por muitos homens, amarrado e amordaçado. Apenas seus olhos estão livres para ver Quityambó lutando contra vários deles, em vão,  para permanecer no interior da oca.

 

Rapidamente ambos são arrastados para o exterior, na direção de uma árvore onde Atisuanã está pendurado pelo tornozelo esquerdo, de cabeça para baixo. A vista embaça, o mundo gira e balança com o ímpeto de seus carregadores. Um som oco e um gosto de sangue são as últimas sensações de Naró antes de perder os sentidos.

 

 

 

(continua, toda quarta-feira, as 11h da manhã)

17 Comments:

Blogger Ana said...

Meu Amor....e agora?????? da última vez eu fiz um comentario enorme...mas eu não sei o que comentar, desta vez....rsrs
Está lindo demais, estou admirada, que sensibilidade que tens com as palavras....
vou dizer uma frase que gostei e me chamou atenção...
"...Começa a contá-las mais desiste depois de se perder quatro vezes próximo ao número cento e oito"

Lindo demais, cada dia que passa, mantenha isso, e quero ler mais na quarta que vem!!!!
Parabéns

Te Amo Te Amo Te AMo....

11:57  
Blogger Cynthia Lopes said...

Vou cobrar na próxima 4ªfeira hein, Sr. Edinho! E aí, tudo bem? Faz tempo que não ando por aqui, e os projetos? Gostei muito da saga,,, e na 4ª estarei de volta. bjinhos...

15:00  
Blogger Dan said...

Ah nao são só meus pensamentos que estão confusos, e ainda não é um vicio gostar, ainda, sei al do futuro né?
Gostei desse Capitulo tbm, sua escrita é impressionanate, consegue eunir sentimentos e expressões que me fizerem imaginar cada momento...

Bjus Girassol, muito sol ao seu redor...

21:19  
Blogger Bruxinha da Noite said...

Olá amigo!
Seja bam vindo ao cantinho Esotérico e espero que seja mais um dos muitos que se encantaram pelo cantinho e que me encantam com o sabor do carinho que transmitem em suas palavras!
Já adoro a Ana, apesar de ser uma amiga recente, mas acredito que o carinho existe através de tempo e distância!
Me encantei com a sensibilidade e expressividade que trazes com as palavras!!
São poucos os que conseguem traduzir assim suas emoções e atitudes!
Adorei também ver sua mgnífica declaração para Ana!
É lindo sentir assim e não ter receio de demonstrar ou de liberar seus sentimentos!
Que os Espíritos Ciganos do Amor e da União estejam sempre abençoando seus corações e caminho!
Que Santa Sara ilumine o caminho de vocês trazendo proteção... E que os ciganos encantados te ofertem inspiração sempre!!
Espero que receba minha amizade com carinho!!
Gostaria que recebesse meu award, mas notei que vc talvez não use deste expediente. Então, entenderei se não desejar postá-lo. Mas minha amizade espero que aceite, rsusss....

Bsos iluminados no coração, amigo!

23:14  
Anonymous Anônimo said...

Suposições e filosofias são sempre muito bem-vindas no Plenitude! As imagens são justamente para isso: Reflexão!

Adorei seu comentário, assim como, adorei seu blog. Já andei espiando outro dia por aqui, através do blog da Ana, o qual, eu gostei muito, muito mesmo tbém.

Vcs tem mta sensilidade e seus blogs cheiram à arte! E eu amo isso!

Vou deixar um link no Plenitude para o seu blog!

Bj

Tenha um dia iluminado!

Manu

13:37  
Blogger Ariane Muler said...

Nossa muito legal !!! Parabéns .... que relacionamento bom com as palavras .... espero ansiosa a continuação ... BJos

20:54  
Anonymous Anônimo said...

Tbém fico mto feliz. Pq gostei mto de vc e da Ana.

Ah... essa ciganinha aí em cima (bruxinha da noite)é uma das pessoas mais queridas que já conheci na net. É uma amiga mto querida!

Parece que começam a ser formados alguns elos de uma bela amizade!!!

Bjs

Bom findi!!

22:01  
Blogger Bruxinha da Noite said...

Boa Noite, amigo!
Vim deixar meu desejo carinhoso de um final de semana repleto de amor (para vc e a Aninha, ein?!) rsus e mt paz!
Que os espíritos ciganos do amor derramem sobre vcs a taça da felicidade eterna!

Amigo, agradeço o carinho seu e da Ana em meu cantinho!

Bjinhos no coração!!!

Bruxinha da Noite

00:43  
Anonymous Anônimo said...

Passando pra desejar um ótimo final de semana!

Beijos

16:45  
Blogger mariam [Maria Martins] said...

Edinho(Velho)

belíssmo post! está visto que cheguei a meio do filme...
a sua escrita é fluida...daria um bom guião... parabéns!

bom fim-de-semana
um sorriso :)

mariam

não sei como deu comigo... obrigada p'las palavras... muita Paz p'ra si também!

22:12  
Blogger Duploele said...

Vim agradecer o comentario ao meu trabalho.
Não li o que escreveu porque estou sem tempo mas volto para ler. Prometo.
Bem haja*

paz*

22:48  
Blogger Kari said...

Aí aí...
Que história... Que jeito envolvente de escrever... Me sinto na história, sentada perto duma árvore observando tudo acontecer...

Quero sim a continuação....
Beijos

01:03  
Blogger Flavia said...

Pois é faltou o Popeye. Se bem que pra aguentar essas aí, precisa do Brutos também e se bobear até daquele bebe que eu esqueci o nome. Rsos.

22:58  
Blogger Dan said...

devo assumir que tenho saudades de " falar" mais com vc

Desistir, jamais, fizeram muito por mim e eu preciso fazer por mim e por eles, todos precisamos...

bjsu Girassol

03:40  
Blogger Gabriela&Mafalda said...

aai tantos detalhezinhos*---*
eu adoro blogues assim,e visito seempre.
Um pouco que me confundiu foram os nomes daas personagens,pareçiam índios:D (er).
mas o post ta ficaando lindo!
boa soorte e força nisso(:


volte seeempre :*

15:28  
Blogger Marisa Borges said...

Não consegui aguentar a curiosidade e, hoje, vim ler o segundo capítulo.
Cada vez mais interessante. Desta vez gostei da flor de Lotus, que afinal dá nome ao livro. Fiquei agrdavelmente surprendida com a sobreposição dos tempos e a mistura dos sonhos.
Mais uma vez, maravilhosamente bem escrito.

Adoro ler histórias e esta está a ser uma delas...continua a contar com as minhas visitas.

Um abraço de Luz

19:06  
Blogger Vaah'lérye...Do lado de cá do meu mundo... said...

estou começando hoje...e adorando!!

namastê,
vah=)

18:34  

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