O Velho

Caminhando...

quarta-feira, dezembro 03, 2008

O Lótus - Capítulo VI

Amigos e Inimigos

 

- Um discípulo e um príncipe. - diz Toró, encarando Naró e Ichua, ambos perplexos - Justo agora que preciso de mestres e reis...

- O que houve, ancião? - Pergunta Naró - Onde está meu mestre? O que está acontecendo?

- Muitas coisas, meu jovem. E muitas delas começaram há mais tempo do que parecem.

- Você está do lado do povo daqui? - Indaga Ichua.

 

Toró o encara com um ar sério, pensativo. Aproxima-se do filho do cacique e coloca sua mão direita sobre o braço esquerdo dele, com um olhar paternal.

 

- Estou do lado certo. É isso o que importa. E precisamos da ajuda de vocês dois. Este povo é muito perigoso, não podemos nos decuidar.

- Não acredito em você. - diz Naró - Você queria nos sacrificar! Onde está Atisuanã?  Diga o que está acontecendo.

- Sinto muito, jovem Naró. Tive que fazer aquela encenação para saciar a ira das pessoas. O caos ameaçava a todos nós. Se eu não o fizesse, elas o fariam. E de maneira muito mais trágica. Eu, ao menos, os protegi, amarrando vocês à árvore.

- Espera que eu acredite nisso?

- Naró! - Interrompe Ichua - Deixe ele falar. Porque mentiria pra gente? Estamos cativos, não há nada que possamos fazer.

- Sábias palavras, jovem Ichua. - Diz Toró - Além disso, não temos tempo para discussões. Mais tarde prometo lhes contar sobre minhas relações com o povo daqui. Como dizia, são muito poderosos, e um rei os governa. Seu nome é Topa Capac. Ele quer vê-lo, Ichua.

- Então vamos. Já estava esperando por isso.

- Terá de ficar sozinho por enquanto, jovem Naró. Mas logo volto. Você virá a ser útil.

 

Ichua e Toró deixam Naró sózinho. A porta barulhenta e pesada ecoa pelos corredores daquele lugar obscuro ao abrir e ao fechar. Ichua está tranquilo. Nesses poucos dias que se passaram, desde a tragédia causada pela morte silenciosa, aprendeu a dar valor para as forças que estão além de seu domínio. O que mais poderia fazer naquele momento? Havia decidido marter-se sempre tranquilo. Além do mais, um inimigo perigoso há de tomar um cuidado maior com um adversário que não teme a morte. Era exatamente isso que estava fazendo o segundo herdeiro dos Tirós. Devia aceitar o pior destino, a morte, com naturalidade. A partir dai, todos os outros acontecimentos pareceriam apenas jogos infantis.

 

A sala do rei é incrível, de uma magnitude jamais imaginada. O teto é mais alto que a maioria das árvores e troncos grossos de pedra,  simétricos e brilhantes, o apoiam. É comprido e, ao fundo, está o rei Topa sentado num acento magestoso. Está tão distante de Ichua que mal é possível descrevê-lo. Dois homens guardam a porta de entrada com lanças pesadas e a liberam logo ao verem Toró. Esse fato não passa despercebido por Ichua.

 

Quando adentram o recinto, Ichua vê o jovem rei, ao fundo, se levantar e esperar por eles de pé. Parece ter a mesma idade de Naró, mas ostenta um ar de diligência. É então que Ichua percebe uma coroa azulada, enorme, com uma pedra vermelha brilhante e polida sobre sua testa. Tão brilhante quanto uma fogueira, banhando de luz os arredores do salão.

 

- É com muito prazer que lhe recebo, filho de Quityambó. - Diz o rei, enquanto os dois visitantes, ainda distantes, se aproximam dele, com sua voz ecoando fortemente pelo imenso lugar. - Espere! - diz Toró a  Ichua, segurando seu ombro com uma das mãos - Não podemos nos aproximar mais.

 

Então, o ancião tiró se ajoelha, abaixando a cabeça. Ichua faz o mesmo, logo após.

 

- Infelizmente, não temos tempo para apresentações. Perdoe-me pela forma como o tratei. Há inimigos infiltrados. Nossos atos devem ser discretos.

- Nobre rei, o que deseja de mim?

- Acredita que tem algo a me oferecer?

- Eu? Não...

- Pois bem, então não lhe peço nada. Você tem algo a me pedir?

 

Depois de um breve silêncio, Ichua ergue a cabeça e encara o rei.

 

- Senhor, desejo saber como está meu pai.

- Porque acha que tenho informações sobre seu pai?

- Parece ser muito poderoso, senhor.

- Ama seu pai?

- Muito!

- Entende o que ele diz?

- Como?

- Seu pai tem falado coisas estranhas, numa língua estranha, não é mesmo?

- Sim! Siriam...   - faz um esforço para se recordar.

- Siriam, narena rudia ka lestrina.

- Isso! Mas não, não sei o que significa...

 

Novo silêncio. O rei Topa franze levemente a testa e vira-se de costas para os dois.

 

- ... mas sei quem sabe!

 

O rei permanece de costas, em silêncio. Em seguida, vagarosamente, se vira.

 

- Quem?

- Naró, senhor. Ele é o único discípulo de Atisuanã, e disse entender algumas  coisa do que meu pai disse.

- Isso é verdade, Toró?

 

Toró ergue a cabeça, desconcertado.

 

- Não sei, meu senhor! Isso é novidade para mim.

- Onde poderíamos encontrá-lo? - Pergunta o rei a Ichua.

- Senhor, ele está aqui! Está na mesma prisão que eu estava!

- Hmm... interessante.  Parece que as circustancias estão mesmo convergindo, Toró.

- Sim, meu senhor. - diz o ancião, enquanto parece tentar esconder uma repentina preocupação.

- Pois traga-me já o discípulo de Atisuanã. E devolvam o filho do cacique à sua cela. Perdoe-me, jovem Ichua, mas é necessário que seja assim, por enquanto.

 

Sem dizer mais palavra, Toró sai e Ichua o segue resignado e preocupado. Teria ele agido errado em falar de Naró? Sentia algo de grandioso no rei, sentia que poderia e deveria confiar nele.

 

- O que achou de Topa Capac, o rei? – diz Toró.

- Jovem. Acho que ele sabe muito sobre nós. E fala muito bem nossa língua.

- Ele é um grande rei! Ainda vai entender muita coisa, Ichua. Por enquanto, não posso lhe adiantar nada.

- Impressionante a sua coroa. Como pode um objeto brilhar daquela forma, com tantas cores?

Toró não responde imediatamente. Apenas olha com estranheza para Ichua por um tempo. Então diz, baixinho e vacilante:

 

- Coroa?!  Que coroa?

 

Ichua estranha a pergunta do ancião, mas finge não escutar. Como pode alguém não ver algo tão grandioso?

 

- Bom, chegamos. - diz Toró, ordenando com um sinal de mão que o carcereiro abrisse a porta da cela onde estava Naró.

 

- Venha, jovem, Naró! O rei deseja vê-lo.

 

Ninguém responde. Naró parece deitado no canto mais escuro da cela, inconsciente. Ichua o balança, para que ele acorde.

 

- Naró! Levante-se. - diz, enquanto o agita, sem obter resposta.

- Está morto?

- Não, parece inconsciente. Respira ainda.

- Traga-o para a luz.

 

Ichua obedece. Assim que o faz, Ichua se surpreende com o que vê:

 

- Naró fugiu!

 

 

 

 

 

 

 

(continua, toda quarta-feira, as 11h da manhã)

7 Comments:

Blogger Ana said...

Legal... to gostando mais ainda...

beijos meu amor!

Amo-te

13:15  
Blogger Serena Flor said...

Ainda não tive tempo para ler este novo capítulo..aff!
Mas calma que lerei ainda hoje!rsrs
Meu bonitinho tem um selo para O Velho lá no Sussurros, fique a vontade para aceitá-lo ou não ok?
Foi dado com muito carinho!
Beijos e ótima tarde pra você!

15:12  
Blogger Serena Flor said...

Esse Naró não é fácil hein! Esperto que só...rsrs
Está super legal a história meu lindo...estou adorando! Bjs.

17:00  
Blogger Serena Flor said...

Isso mesmo...me mata mais um pouquinho de curiosidade! hahaha
Cara...faz isso não!rsrss

18:08  
Blogger Dani said...

Adorei chegar aqui e encontrar "O Lótus". Vou ser obrigada a arranjar um tempo para pegar a história desde o começo.

;)

09:26  
Blogger Serena Flor said...

Saudades de você meu amigo!
Doida pra chegar logo amanhã e ler mais um pouquinho...rsrsrs
Beijos e um abraço apertado e demorado em você!

15:22  
Blogger Marisa Borges said...

Cada vez melhor, mais completo e, no entanto, com mais pontas soltas...Sabes mesmo criar o suspense!

Gostei do tratamento dado à morte, da forma como a devemos encarar, com coragem!

Lindo
Espero que o Natal tenha corrido bem, em paz e amor!

00:47  

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